Glocal: Em Foco Práticas Decoloniais que respondem ao Sul Global

Um painel online realizado em 5 de junho de 2025, durante a Semana de Avaliação 2025 (Glocal)  promovida pela Iniciativa Global de Avaliação (GEI), reuniu especialistas e praticantes para discutir um dos desafios mais importantes para a área no Brasil: como construir práticas avaliativas responsivas ao Sul em vez de simplesmente ecoar o Norte?

O painel “Repensando práticas de Monitoramento e Avaliação: experiências decoloniais”, contou com a participação de Yasmin Morais, da Rede Comuá; Iracema Souza, do Fundo Agbara; e Marcia Joppert, da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação (RBMA). Com moderação de Rogério Silva, conselheiro da RBMA e sócio da Pacto – Organizações Regenerativas. Os especialistas discutiram a necessidade de realizar avaliação de forma decolonial no Brasil se contrapondo às práticas hegemônicas do Norte Global, frequentemente impostas por financiadores, e compartilharam suas experiências e visões sobre como a avaliação decolonial pode sair do papel e se tornar realidade.

A conversa abordou diretamente a monocultura metodológica herdada. Décadas de financiamento Norte-Sul instalaram um “kit serve-para-tudo” de métodos como marcos lógicos e ensaios randomizados. Embora promovam uma promessa de “rigor”, esses métodos frequentemente recusam o diálogo com o território, a história ou a desigualdade e opressão. Os participantes nomearam esse conjunto de práticas como um dispositivo de poder que privilegia epistemologias do Norte, transforma atores do Sul em “beneficiários” e enterra saberes locais em procedimentos pretensamente neutros.

No entanto, o foco principal do diálogo foi reconhecer e promover as avaliações decoloniais que já estão em curso, demonstrando um grande apreço pela ideia de avaliar para aprender.

As participantes destacaram abordagens inovadoras:

Yasmin Morais (Rede Comuá): Compartilhou a virada da Comuá, que aderiu ao movimento #shiftthepower e seu braço “Medir o que Importa”. Em vez de apenas coletar números exigidos por doadores, a Comuá passou a construir indicadores e práticas avaliativas úteis, adaptáveis, inspiradoras e ancoradas em relações. Em dois anos, trocaram a contagem de público por investigações de capital relacional, reconhecendo a necessidade de medir o senso de comunidade – pertencimento, ajuda mútua e confiança. Para proteger o processo da tecnocratização, convidaram o Movimento Lente Preta como críticos parceiros, provando que medir pode ser generativo, não extrativo.

Iracema Souza (Fundo Agbara): Como gerente de conhecimento do primeiro fundo filantrópico voltado ao empreendedorismo de  mulheres negras do Brasil, Iracema navega entre as demandas por números de doadores internacionais e a desconfiança de coletivos de base. A inspiração vem da capoeira, utilizando táticas como a Ginga (recusa de marcos fixos, ciclos de escuta), Roda (oficinas em círculo com hierarquia achatada, onde cada história vira dado) e Sankofa (voar adiante com os olhos no passado, recuperando temporalidades). O Fundo Agbara integra vinhetas qualitativas às planilhas e transforma a própria resistência dos doadores em pedagogia.

Márcia Joppert: Apontou para a necessidade de reimaginar a formação de avaliadores. Dados de sua pesquisa de doutorado sobre 271 programas de pós-graduação em avaliação no mundo todo revelam que apenas 3% dos programas mencionam decolonização em seus currículos. No Brasil, o quadro se repete, com a maioria dos programas sendo acadêmicos e centrados em metodologias tradicionais. Márcia propõe enraizar a formação em interdisciplinaridade, tópicos emergentes, espaços ativos para a prática e círculos de mentoria. Ela também mencionou recursos nacionais como as Diretrizes para a Prática de Avaliação no Brasil, o Guia Mais Avaliação Menos Desigualdades e as Competências para a Prática de Avaliações no Brasil como ferramentas para fomentar novas culturas avaliativas.

A conversa também abordou os desafios do dinheiro e do poder. Embora os recursos ainda privilegiem métodos ortodoxos, existem “frestas” para a mudança através do uso efetivo das avaliações para melhorar estratégias, o poder das narrativas e a força da voz coletiva.

Um ponto crucial levantado foi a presença do “Norte dentro do Sul”. Os participantes reconheceram que a reprodução de marcos tradicionais ocorre mesmo dentro de instituições brasileiras e em suas próprias práticas. Os financiadores domésticos podem ser tão rígidos quanto os internacionais, e os espaços de poder na avaliação são frequentemente brancos e masculinos. Assim, decolonizar a avaliação é vista como um exame contínuo de onde o poder reside e como é utilizado, e não apenas uma disputa geográfica. 

Confira o debate completo clicando aqui

Compartilhe esta postagem

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.