Avaliação e Sustentabilidade da Infraestrutura no Brasil

O primeiro seminário de avaliação de intervenções em infraestrutura, realizado sob o tema “superando a lacuna para um desenvolvimento sustentável”, representou um marco essencial para reorientar o debate sobre o planejamento e a avaliação de projetos de grande porte no Brasil e no mundo.

O encontro, uma realização conjunta do BRICS Policy Center (BPC), e da RBMA | Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, com o apoio do Escritório de Avaliação Independente (IEO) do New Development Bank (NDB) – o Banco dos Brics, teve como objetivo debater os desafios e caminhos para a construção de infraestruturas mais sustentáveis, inclusivas e resilientes.

A seguir, estão os pontos cruciais que destacam a importância deste primeiro seminário:

1. Foco Temático Estratégico e Pluralidade de Atores

O seminário promoveu um diálogo entre representantes dos  setores público, privado, acadêmico e da sociedade civil. Essa pluralidade de atores e a relevância dos participantes, que incluem financiadores internacionais, é central para o avanço da avaliação de políticas públicas e intervenções de infraestrutura.

As discussões focaram em três grandes eixos: infraestrutura, desenvolvimento sustentável e avaliação participativa. Os painéis abordaram a avaliação de projetos, a justiça ambiental, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a preparação para a COP 30.

Houve um reconhecimento de que a infraestrutura está intrinsecamente ligada a todos os ODS, mas que o ODS 2 (Fome Zero) é central, pois não se pode atingir nenhum outro ODS sem combater a fome.

2. Crítica ao Modelo de Desenvolvimento e a Lacuna da Avaliação

O evento trouxe uma crítica contundente ao modelo atual de infraestrutura:

  • Baixa Eficiência e Investimento: Foi ressaltado que o Brasil investe pouco em infraestrutura (cerca de 2% do PIB), e que a América Latina opera com apenas 73% de resultados potenciais, evidenciando uma baixa eficiência na gestão de investimentos.
  • Foco Insuficiente no Social e Ambiental: Projetos são criticados por serem frequentemente pensados para a “alta extração de lucratividade capitalista”, gerando graves violações de direitos humanos e ambientais.
  • Injustiça Ambiental: Intervenções, incluindo projetos de “energia limpa” (eólica e solar), causam desterritorialização, desmatamento e problemas de saúde em comunidades locais, impactos muitas vezes não previstos nos estudos iniciais.
  • Defasagem Ex-Ante: O Brasil possui lacunas enormes na avaliação prévia (ex-ante) de projetos, o que é perigoso, pois os problemas já ocorrem antes que a avaliação posterior (ex-post) possa retroalimentar o sistema.

A legislação brasileira, como a nova Lei de Licenciamento Ambiental, tende a esvaziar a participação social. O Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada (OIT 169) é frequentemente desrespeitado ou considerado um ônus.

3. A Avaliação como Instrumento de Transformação e Investimento

O seminário defendeu a avaliação como um instrumento estratégico para superar a lacuna de que os impactos sociais e ambientais não são frequentemente previstos.

  • Avaliação é Investimento: A avaliação não deve ser vista como um custo ou um atraso, mas sim como um investimento social (promovendo transparência e inclusão), institucional (fortalecendo a confiança política) e econômico (prevenindo riscos, ineficiências e retrabalhos).
  • Protagonismo Comunitário: É fundamental que as comunidades sejam sujeitos ativos e protagonistas de seu próprio desenvolvimento. É necessário valorizar o conhecimento local como legítimo e garantir a participação efetiva das comunidades em todas as fases.
  • Transdisciplinaridade e Inclusão: A avaliação é transdisciplinar e deve envolver diferentes atores (acadêmicos, ativistas, setor público, bancos). A participação deve ser de qualidade e considerar aspectos interseccionais, como raça, classe e diferenças regionais.
  • Difusão e Transparência: Foi destacada a importância da difusão dos resultados da avaliação, para que não fiquem apenas “na prateleira”, e para que sejam consumidos pela sociedade civil, jornalistas, academia e o Congresso Nacional. O próprio evento foi transmitido ao vivo para ampliar o alcance do debate.

Instituições multilaterais, como o NDB e o Banco Mundial (BM), buscam o engajamento contínuo das partes interessadas desde o início do projeto, embora as consultas públicas no Brasil muitas vezes não sejam tempestivas (ocorrem quando o projeto já está elaborado) e não tenham caráter deliberativo. O seminário reforçou que, apesar do avanço conceitual, falhas persistem na aplicação prática dos direitos territoriais e na inclusão efetiva das comunidades.

A seguir, um resumo das principais contribuições e reflexões dos participantes:

Mesa de Abertura: A Pluralidade de Atores e o Foco Humano

Henrique Pissaia – (Escritório de Avaliação Independente – IEO/NDB) Representando o Escritório de Avaliação Independente do NDB, Pissaia destacou que o banco foca seus investimentos em infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Ele enfatizou que as avaliações do IEO buscam sempre a participação e o diálogo com as comunidades afetadas. Ele sublinhou a importância de parcerias e da difusão dos resultados da avaliação, que devem ser transparentes e acessíveis, para que possam nutrir os próximos projetos.

Gustavo Robichez (PUC-Rio) – O representante da reitoria da PUC-Rio reforçou a relevância da universidade em promover o diálogo entre academia, bancos, governo e sociedade civil. Ele ressaltou que o seminário, apesar de focar em infraestrutura, fala principalmente sobre pessoas. “Apesar de falar de infraestrutura hoje a gente vai falar sobre pessoas,” afirmou, adicionando que o debate é sobre comunidade, justiça ambiental, oportunidades e inclusão.

Isabel Rocha de Siqueira (BRICS Policy Center) – Isabel Rocha trouxe dados críticos, indicando que o Brasil investe pouco em infraestrutura (cerca de 2% do PIB), comparado a países como China e Índia (5% a 8%). Ela defendeu a necessidade fundamental de incluir a sociedade no desenho, monitoramento e avaliação dos projetos. A professora argumentou que a participação deve ser de qualidade e levar em conta “aspectos justamente interseccionais ou seja de raça de clássico E no caso do Brasil diferenças regionais importantíssimas”.

Wesley Matheus (Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação/Ministério do Planejamento e Orçamento) Wesley, representando a RBMA e a Secretaria Nacional de Monitoramento e Avaliação, abordou o desafio de equilibrar a avaliação de políticas públicas com a revisão de gastos, alertando que a alta pressão das despesas obrigatórias limita os recursos para investimento discricionário em infraestrutura. Ele salientou que a avaliação é um instrumento para corrigir a desigualdade social e deve ser traduzida para formatos simples para que seja consumida pela sociedade civil, jornalistas, academia e Congresso Nacional. Wesley concluiu que a avaliação tem a oportunidade de “traduzir um desenvolvimento interseccional… para esses grandes projetos de infraestrutura”.

Painel 1: Desafios na Agenda Infraestrutura e Acordos Climáticos

Dr. MD Tauhedul Islam (Embaixador de Bangladesh) – O embaixador trouxe uma perspectiva global, citando o fracasso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) por falta de mecanismos de implementação e avaliação. Ele destacou que o ODS 9 (Infraestrutura) é o eixo central interligado a todos os outros ODS. O Dr. Hamidullah apontou que os recursos destinados ao desenvolvimento sustentável estão sendo desviados para lidar com “questões existenciais”, como a adaptação às mudanças climáticas e as crises de saúde (como a COVID-19), o que compromete a construção de infraestrutura básica como ferrovias e hospitais.

Ludmila Silva (NDB) Representando o escritório regional do NDB, Ludmila Silva reiterou que o banco apoia o financiamento de infraestrutura sustentável. Ela detalhou a atuação do banco no Brasil, que conta com 23 projetos aprovados, e reforçou a importância das avaliações para verificar impactos, realizar ajustes e, principalmente, garantir que “o beneficiário final é o mais importante do projeto”.

Sandro Peixoto (BNDES) – Sandro Peixoto explicou como o BNDES alinha seus financiamentos com uma taxonomia de sustentabilidade e os ODS. Ele destacou que a infraestrutura é preponderante nos apoios classificados como economia verde e que o banco utiliza diversas ferramentas de monitoramento, incluindo a avaliação de efetividade. Sandro citou exemplos de impacto, como a verificação de uma “redução da taxa de internações hospitalares” em projetos de saneamento.

Dr. Jose Graziano da Silva (Instituto Fome Zero) – Dr. Graziano criticou o “retrocesso brutal” que ocorreu desde 2015 em relação às metas dos ODS, citando crises financeiras, conflitos e impactos climáticos. Ele enfocou a centralidade do ODS 2 (Fome Zero), afirmando que “não consegue atingir nenhum ODS fome”. O ex-diretor-geral da FAO criticou a burocracia institucional dos mecanismos de financiamento, alertando que: “Se nós continuarmos com esse mecanismo de passar por dentro das instituições financeiras não vai ter dinheiro em tempo para acabar com a fome até 2030”.

Painel 2: Avaliação e Justiça Ambiental

Adriana Ramos (ISA) Adriana Ramos criticou a persistência de problemas estruturais no planejamento da infraestrutura, que muitas vezes representam um “avanço sobre seus territórios”. Ela apontou que o Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada (OIT 169) é frequentemente visto como um “ônus”. Ramos defendeu que as comunidades devem ser consultadas ativamente e que o conhecimento local deve guiar propostas de desenvolvimento, citando o sucesso de comunidades indígenas em alterar o trajeto de uma rodovia (BR-242) para reduzir impactos.

RICELIA SALES (Universidade Federal de Campina Grande – UFCG) – Ricélia Sales compartilhou a experiência de comunidades rurais no Nordeste afetadas pela expansão acelerada de projetos de energia renovável (eólica e solar). Ela detalhou os impactos ambientais e de saúde, incluindo desterritorialização, desmatamento e o pó fino gerado pelos aerogeradores que polui as cisternas. A pesquisadora criticou a falta de transparência e os contratos de terra injustos, concluindo que, no modelo atual, a energia renovável não tem sido sustentável para o ambiente.

Frede Vieira (Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB) – Frede Vieira afirmou que os grandes projetos de infraestrutura são desenhados para a “alta extração de lucratividade capitalista” e não para o povo. Ele argumentou que, dada a alta tarifa de energia no país, hoje, todo o povo brasileiro pode ser considerado “atingido” pelo modelo energético. Frede ressaltou a importância da organização popular para evitar a exclusão dos processos de tomada de decisão e finalizou com o princípio do MAB: “Água e energia com soberania e controle popular”.

Painel 3: Avaliações Inclusivas

Renata Motta Café (Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID) – Renata Café apresentou dados do BID mostrando que a América Latina opera com apenas 73% de resultados potenciais em seus investimentos públicos, demonstrando baixa eficiência. Ela destacou que o Brasil tem uma lacuna enorme na avaliação prévia (ex-ante) de projetos. A avaliação eficiente, segundo ela, deve envolver a análise de custo-benefício social, internalizando os custos sociais desde o início, e incluir a análise de políticas e viabilidade regional.

Dra Adriana Fonseca Braga (Geógrafa, PhD em Sustentabilidade) – Adriana Braga focou na avaliação ex-ante, defendendo que os condicionantes ambientais já na Licença Prévia devem ser obrigatórios para monitoramento e avaliação. Ela criticou a falta de integração dos estudos em projetos fragmentados (como em parques eólicos), resultando em serviços redundantes. Braga enfatizou a importância de conhecer e engajar as partes interessadas de forma adequada para evitar que “nenhuma avaliação, nenhum monitoramento lá na frente vai resolver o descontentamento”.

Sara Macedo (Banco Mundial) – Sara Macedo apresentou o Quadro Ambiental e Social do Banco Mundial, com destaque para a Norma 10, que trata do Engajamento das Partes Interessadas. Ela explicou que o engajamento deve ser contínuo e focar em grupos vulneráveis. Macedo revelou que uma avaliação do marco legal brasileiro identificou que, embora o país seja robusto em transparência, as consultas públicas “não são tempestivas”, ou seja, não ocorrem no momento da tomada de decisão.

José Vivaldo Mendonça Filho (Codevasf) – Representando a Codevasf, José Vivaldo Mendonça Filho destacou o papel da companhia no desenvolvimento regional e na redução das desigualdades, com atuação em 37% do território nacional. Ele argumentou que o maior desafio da agência é a “crise que é da discricionalidade orçamentária”, que limita a capacidade de planejar intervenções de médio e longo prazo. Ele concluiu: “se a gente perder essa capacidade de nos indignarmos nós não vamos fazer nada”.

Marcia Paterno Joppert, PhD (RBMA) – Márcia destacou que a avaliação é geralmente discutida em áreas como saúde e educação, e que esta foi a primeira vez que a infraestrutura foi o tema de um seminario de avaliação. Joppert ressaltou que a RBMA busca justamente reunir diferentes tipos de atores, interesses e modos de pensar. Para ilustrar a união de diferentes perspectivas (academia, sociedade civil, setor público e bancos), ela utilizou o conceito de “confluência” do pensador quilombola Nego Bispo, concluindo que o grande aprendizado do dia foi o ato de confluir, onde se preserva, se compartilha e concluiu, afirmando que: “Quando a gente conflui a gente não deixa de ser agente. A gente passa a ser agente e outra gente”

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